quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

UM NATAL




         "Que lindo!"
        Pensou Joao, arrastando os pes de proposito, como isso o ajudasse a passar tempo e o caminho.
        Subitamente algo o fez parar. Algo maravilhoso lhe captou toda a atencao, parou estupefacto e deslumbrado de frente para a montra da loja de brinquedos.
        A luz era imensa, tantos os movimentos, aqueles sons magicos, todas aquelas cores.
        Como ele adorou as cores!
        Sentiu-se magnetizado para aquele vidro que o separava da felicidade. Encostou-se como que sugado de maos espalmadas, empurrando de leve o vidro, onde encostou o nariz sujo do frio que se fazia sentir.
        Respirou fundo. Nao sabia se de alegria, se de espanto.
        Mas respirou, um profundo bafo invadiu aquele vidro. Uma nuvem de vapor condensado, embaciou tudo a volta do seu olhar.
        Ouviu tudo com  a maior atencao possivel, nao queria que nada lhe escapasse. Absolutamente nada.
        Os seus olhos, sobressairam inexplicavelmente, ja de si grandes nas cavidades daquela face magra.
        Brilhavam. Rodavam e rodopiavam tentando focar o mais possivel todos aqueles movimentos que o faziam feliz. Aquele preciso momento, era o delirio da felicidade.
        Nao se lembrava ultimamente, de passar um bocado de tempo de forma tao agradavel. Mesmo aquele frio, que ultrapassava os farrapos de roupa que cobriam o seu pequeno corpo esqueletico, era suficiente para o fazer desistir daquele momento.
        O comboio.
        Sim. O comboio, o apitar contra os movimentos mecanizados de toda aquela bonecada, estrategicamente colocada, que se moviam a sua passagem.
        Os luzes dos semaforos de brinquedo, o guarda da linha abanando uma bandeira vermelha, e todas aquelas cores animadas.
        "Que lindo!"
        Pensava Joao, repetidas vezes.
        Aquela enorme montagem de Natal, cheia de vales e montes de brincar, era tao real que o fazia sentir parte da modelagem.
        Sentiu-se no campo, que nunca vira, a nao ser em bocados de revistas e jornais velhos que as vezes apanhava e que o aqueciam de noite tantas e tantas vezes.
        Nao se apercebendo como era possivel, sentiu as macas da cara a ferver, nao de febre desta vez, mas de um calor que acompanhava a sensacao de felicidade, em frente a tanta coisa bonita.
         Imitou todos os sons daquele modelo enorme, da loja de brinquedos, antes de seguir caminho.
         Olhou para a porta, viu o sirandar de familias e os meninos.
         Aqueles meninos. Os outros meninos.
         Ficou feliz ao ver aquelas faces risonhas de felicidade.
         Ciume... Ciume era coisa que nunca lhe passou pela cabeca, por ser tao novo , sempre fora aquilo que era.
         Nunca tivera mais que algo de comer para calar o estomago, ou algo para vestir que lhe tapasse o corpo. E uns sitios giros para dormir de noite.
         Beijou o vidro, uma despedida inesquecivel, pelo pequeno e fantastico momento que acabara de viver.
         "Que bonito e o Natal", pensou.
         Olhou a sua volta, o brilho pestanejante das luzes que cobriam as ruas da cidade, num pisca-pisca constante que quase se tornavam em tons de musica, prolongou o momento enquanto se fazia ao caminho .
          "Que lindo!"
          Subiu a rua em direccao ao seu bairro.
          "Joao! Anda ca miudo!"
          Virou a cara, sem se ter apercebido do quanto ja andara.
          Deu por si passando em frente a leitaria do Sr. Antonio.
          Aquele homem bom, sempre o chamava, pelo menos uma vez por dia, para lhe dar de comer.
          Caminhou num passo lento e envergonhado, em direccao a leitaria.
          - Toma meu filho, leva estas sandes e esta garrafa de leite. Que Deus te abencoe.
          Cabeca baixa como de costume, nao disse palavra.
          Nunca falava!
          Contente, correu para a casa abandonada onde pernoitava.
          Comeu e bebeu aquele fausto jantar. Ficou satisfeito. Encostou-se ao canto da parede, tao confortavel quanto possivel, iluminado por um rasgo de luz do luar, que teimava em entrar pelas frestas das portadas partidas.
          Puxou as mantas, ja rijas do tempo tendo o cuidado de as sacudir, soltando o maximo de po,  enroscando o corpo magro, ja tremendo de frio.
          Tentou nao adormecer, sem rever aquelas imagens magicas que lhe enchiam a memoria.
          Fechou os olhos .
          "Que lindo e o Natal."
          "Amanha, sera Natal outra vez!"
          Adormeceu...

14 Dezembro 2011 

Sem comentários:

Enviar um comentário